E agora? O desafio para jovens não adotados que completam 18 anos e precisam deixar abrigos

12 de junho de 2023
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São jovens que atingem a maioridade e não encontram uma família que os acolha

O que significa para um adolescente crescer em um abrigo? E o que significa para ele ter que deixá-lo por causa da maioridade? O aniversário de 18 anos costuma gerar ansiedade, mas para os adolescentes em situação de acolhimento que permanecem em abrigos até essa idade, chegar à maioridade traz um motivo a mais de preocupação, pois poucos sabem onde irão viver depois disso.

Cerca de 32 mil crianças e adolescentes vivem em serviços de acolhimento no Brasil, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Segundo o juiz da Vara da Infância e Juventude, Ibere de Castro Dias, o principal motivo desses adolescentes não serem adotados é a idade. “Se a criança chega na casa de acolhimento com 2 anos e o poder familiar está destituído, fatalmente vai ser adotada. Mas, se a criança chega com 9 anos, por exemplo, até a situação familiar se solucionar, ela vai ter 11, e com essa idade fica muito mais difícil ser adotada. Se ela chega adolescente na unidade, pior ainda”, conclui.

“Os bebês e crianças pequenas são os mais procurados para adoção”

De acordo com o juiz, é muito difícil conseguir adoção para crianças com mais de 10 anos. O fato delas fazerem parte de grandes grupos de irmãos pode ser um problema. Ter alguma doença ou deficiência, pode complicar a situação ainda mais. Dias explica que quando os adolescentes completam 18 anos, eles deixam de ficar sob proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), se tornam adultos e passam a ter que se virar sozinhos. “O jovem pode voltar para casa da família de origem, pode morar com amigos que já tenham passado pelo abrigo, morar em republica jovem, que é uma casa de acolhimento para pessoas com mais de 18 anos. Depende da situação de cada um”. 

Foi o caso do Rodrigo Eduardo Monteiro, de 35 anos, que foi adotado quando tinha 3, após sua mãe biológica morrer e seu pai o entregar para a adoção. Rodrigo foi devolvido pela família adotiva aos 16 anos e segundo ele, os pais o agrediam diariamente e mexiam com seu psicológico: “Meus pais eram muito rígidos e me batiam sem necessidade. Diziam que eu seria um criminoso, sendo que eu tinha apenas 13 anos e nunca havia usado droga ou roubado algo”. 

Rodrigo Eduardo Monteiro

Adote um Boa Noite

O Adote um Boa Noite é um programa desenvolvido pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, lançado em 2017 por três juízes: Gabriel Sormani, Renato Lousano e Ibere de Castro Dias. O site apresenta crianças e adolescentes que já estão aptos a serem prontamente adotados e pelas quais não haja nenhum interessado no Brasil. Quando uma pessoa se interessa por alguma daquelas crianças, pode entrar em contato com a Vara da Infância e a partir disso, começar a aproximação com a criança ou adolescente. “A principal forma de incentivar a sociedade a adotar uma criança mais velha é mostrando quem são esses menores, indicando a possibilidade de adoção, pois sempre que a gente fala disso, vem à mente a criança de colo. É importante dar visibilidade para essas pessoas explicando quem são, contando os desejos, sonhos, direitos e que eles anseiam por uma família”, comenta Ibere. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo já tem vários casos por meio do programa Adote Um Boa Noite que indicam que dar visibilidade para esses adolescentes são caminhos eficazes nessa busca pela conscientização e pelo aumento do número de adoções de adolescentes. “Até aqui já conseguimos 62 adoções completas e 39 processos em andamento no estado. 100 crianças que não havia nenhum interessado e aparentemente jamais seriam adotadas, foram adotadas porque tiveram visibilidade por conta desse programa”, explica o juiz. Os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento mostram que no caso da etnia, 54,1% das crianças e adolescentes que aguardam por uma família são pardos, 27,3% são brancos, 17% são pretos e 0,5% amarelos. Os números ainda apontam que 18,2% do total enfrentam problemas de saúde e 12,3% possuem algum tipo de deficiência. Além disso, mais da metade das crianças e adolescentes têm irmãos.

Perspectivas Pós-acolhimento 

Vivendo em serviços de acolhimento, muitos meninos e meninas não retornam à família de origem nem são adotados. Quando completam a maioridade, eles precisam deixar a instituição, mesmo sem estarem preparados para uma vida autônoma. Após ser devolvido pelos pais adotivos, Rodrigo chegou no abrigo com 16 anos e ficou até os 19. Ele conta que foi acolhido pelos donos do Lar Ebenezer, localizado em São Caetano, Grande São Paulo, Kika e Fernando, os quais ele chama de mãe e pai até hoje. “Durante minha passagem pelo abrigo, os donos me levavam para shoppings, parques e até para a casa da mãe do Fernando, onde eu peguei um carinho enorme e a chamava de vó”. 

Para Ibere, antigamente a adoção tardia era de uma criança de 5 anos. Hoje, a adoção tardia é de uma criança de 11 e de adolescentes. A idade mais procurada pelas pessoas é de recém-nascidos ou até 3 anos. Porém, ainda existe muita procura por crianças de até 10. “O maior desafio que esses jovens têm quando saem do abrigo é de estruturar a vida, pensando que não têm nenhum respaldo social. Além do baque psicológico de sair da casa de acolhimento”.

República Jovem

A república jovem é um serviço administrado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, por meio de parcerias com a Organização da Sociedade Civil (OSCs). É um programa que oferece apoio e moradia a grupos de pessoas entre 18 e 21 anos em estado de abandono ou após o desligamento de serviços de acolhimento. Quando saiu do abrigo, Rodrigo relata que sabia que a vida seria pesada. Mesmo contando com o apoio dos novos pais adotivos, Kika e Fernando, conquistou a independência e conseguiu seu primeiro emprego, foi morar em pensão, depois alugou uma casa e logo se casou. Hoje tem 7 filhos. “Conquistei minha família, carro e casa. Tive oportunidade de roubar e usar drogas ou traficar, mas não era isso que eu buscava, até mesmo para provar o contrário do que a família adotiva dizia o que eu seria”, relembra.

Famílias Acolhedoras

A família acolhedora é uma modalidade que adota temporariamente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade até que possam retornar para sua família de origem ou ser encaminhadas para adoção. Ou seja, acolhimento familiar e a adoção são situações distintas, inclusive no seu tempo de duração: o acolhimento é temporário e a adoção é definitiva. Na experiência do Rodrigo, ele conta que durante sua estadia no abrigo, saía aos fins de semana com as famílias acolhedoras e gostava bastante: “Eu ia para a casa deles e às vezes viajava para casa de praia. Era muita diversão, coisa que eu não tinha com a família que me adotou”. 

Rodrigo relembra que já tentou encontrar sua família biológica, mas desistiu. “Fui atrás da minha família, mas sem sucesso. Hoje isso não me interessa mais e é melhor assim, pois já encontrei minha verdadeira família”. Além de enfrentarem a separação dos pais biológicos, muitas vezes a situação de morar em abrigos causa traumas irreversíveis, como a separação dos irmãos, conviver com pessoas desconhecidas, e ter que buscar autonomia para lidar com tudo isso sozinho. Mesmo assim, pessoas muito jovens ainda são desafiadas a enfrentarem o mundo fora das casas de acolhimento.