2% dos homens que participam de grupo reflexivo voltam a cometer violência doméstica, diz pesquisa
A medida visa a reeducação de homens denunciados por agressão
A cada quatro horas, ao menos uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil, segundo uma pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança. O levantamento mostrou que foram 2.423 casos de violência contra a mulher no ano de 2022, sendo que 495 foram crimes de feminicídio. Os dados foram compilados em sete estados brasileiros: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e Piauí. As estatísticas mostraram que São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia foram os estados com mais casos. São Paulo teve 898 registros de violência contra a mulher, Rio de Janeiro 545 e a Bahia 316.
“Muitos homens querem repetir o curso”
Os grupos reflexivos e responsabilizantes para homens autores de violência contra mulheres tem o objetivo de, por meio da reeducação, evitar a continuidade do ciclo da violência e impedir feminicídios. Formados por equipes multidisciplinares, os grupos ajudam homens agressores a analisarem e corrigirem ações violentas contra mulheres. “A gente aborda os diferentes tipos de violência como: patrimonial, psicológica, moral e física. Muitas vezes o passado desses homens teve muita violência com pais violentos, o que faz com que eles reproduzam”, comenta Clicie Carvalho, advogada especialista em direitos das mulheres e diretora de projetos do Instituto Justiça de Saia, focado em empoderar mulheres a lutar por seus direitos.
Desde 2009 o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde realiza esse trabalho com autores de violência doméstica. Composto por 16 encontros que duram quatro meses, o projeto tem parceria com o Fórum da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, que encaminha homens para o coletivo. A ideia do curso é que o autor de violência faça uma reflexão sobre o ato que foi cometido. “Queremos que o homem reflita e se responsabilize pelo que aconteceu. A equipe tenta problematizar qual é o papel do homem na sociedade, pois as pessoas só pensam que homem tem que ser forte, não pode chorar e tem que ser viril. Nos encontros, nós abordamos o machismo, paternidade, sentimentos, métodos contraceptivos, por exemplo”, analisa o pesquisador doutorando pelo Programa “Direito, Justiça e Cidadania no séc. XXI” e colaborador da ONG, Ivan Baraldi.
“Em briga de marido e mulher tem sim que meter a colher”
A Lei Maria da Penha prevê desde 2020 que homens que cometeram violência doméstica entrem em grupos de reflexão para não voltarem a cometer o ato. A medida, que é protetiva para a mulher, tem ótimos resultados. “Tem homens que procuram o projeto de forma espontânea, mesmo sem ter agredido uma mulher. Esses homens identificam que são machistas e participam do projeto. Quando os agressores chegam no primeiro encontro, eles comentam que existe lei para proteger as mulheres, mas ninguém protege os homens. E quando chega no fim, muitos deles gostam e pedem para continuar. Então só nisso, a gente vê a mudança no comportamento e que o projeto realmente funciona”, explica Ivan.
“A violência não pode ser uma ferramenta em nenhuma situação”
Os grupos de reflexão são desenvolvidos em uma parceria feita entre prefeituras, delegacias, centros de assistência social e a Justiça. A iniciativa tem dado resultados, mas o compromisso é obrigatório para os agressores. Segundo Ivan, o financiamento para esse trabalho é precário e o coletivo, formado por voluntários, nunca recebeu nenhum apoio. Para ele, o motivo das agressões varia. “O homem ainda tem um sentimento de propriedade sobre as mulheres. O ideal seria que esse trabalho fosse preventivo nas escolas com os adolescentes antes da violência aparecer. A importância do trabalho é oferecer um ambiente para o homem poder desabafar, pois ele é acostumado a se gabar na mesa do bar com os amigos, e nunca é autorizado a mostrar suas fraquezas. A gente ensina que ele cuidar das tarefas domésticas, mostrar afeto pelo filho ou por um amigo, por exemplo, não o torna menos homem”, analisa o pesquisador.
Segundo uma pesquisa da Justiça de Saia, 2% dos agressores voltam a cometer violência doméstica após o curso. Clicie explica que existem diversas questões sociais e cultuais onde o machismo fala mais alto. Segundo ela, muitos homens pensam que a mulher pertence a ele. Mulheres são criadas para cuidar do homem, do lar e são livres para demonstrar seus sentimentos. Já os homens não. “Eles não podem chorar, tem que ser o provedor da casa e não ‘podem’ demonstrar sentimentos. E isso funciona como uma erupção, onde o homem explode e agride as pessoas mais frágeis, como mãe, irmã e namorada/esposa”, comenta a advogada.
O projeto Justiça de Saia faz palestras em empresas e associações para combater e prevenir o assédio sexual. “No curso a gente faz um apanhando sobre a nossa história, como a data que a mulher ganhou o direito de votar, trabalhar e que até pouco tempo, precisava da autorização do marido para fazer laqueadura, por exemplo. Isso tudo serve para eles perceberem o quanto as mulheres lutaram por direitos e quanto dependiam do homem e como todas essas ações acabam na violência”, analisa Clicie. Ainda segundo a pesquisa, 50% dos homens que participam de curso de reeducação retomam o relacionamento, 65% são incidentes e 2% voltam a cometer violência doméstica.