Karine Vieira: a saída do mundo do crime para o empreendedorismo e responsabilidade social
Egressa do sistema prisional, Karine criou um projeto para inserir ex-presos no mercado de trabalho
Karine Vieira, de 40 anos, é ex-presidiária, formada em Serviço Social e fundadora do Responsa, projeto de inserção de ex-presos no mercado de trabalho. Branca e de classe média, Karine começou a cometer delitos aos 14 anos. Parou por um período ao dar à luz a primeira filha, aos 17, mas acabou voltando para o crime, onde permaneceu até 2008. Mãe de três filhos de 22, 15 e 8 anos, e avó de uma menina de 2 anos, a criadora do Responsa teve uma infância tranquila até os 4 anos, quando os pais se separaram.
Aos 12, se mudou com a mãe e o irmão mais novo para um condomínio localizado entre a Vila Antonieta e o Jardim Aricanduva, na zona leste de São Paulo, onde havia duas comunidades. “Aos 14 anos comecei a roubar e na maioridade migrei para o mundo do tráfico. Comecei com pequenos delitos e logo comecei a furtar carros, roubar e invadir agências bancárias. Aos 17 anos, saí de casa, engravidei e, aos poucos, por conta da gestação, fui saindo do mundo do crime”.
“Nada paga minha paz”
Com a mãe ocupada em três empregos, Karine precisava cuidar dos afazeres de casa e não tinha muita liberdade para sair com os amigos. Antes de cometer o primeiro delito ela trabalhou por um tempo em um shopping, mas a mãe, que não gostava de vê-la saindo, fez com que ela deixasse o local. Quando começou a fazer parte do grupo de amigos, que eram tanto de classe média baixa como da comunidade, a sensação que teve foi de liberdade.
Seguindo o comportamento dos amigos, Karine começou a roubar para poder comprar seus itens pessoais, para que não precisasse mais pedir dinheiro para os pais. “Em 2005, aos 24 anos, eu fui presa por um B.O. que não era meu. Fui acusada de tráfico e associação. Eu cometi crimes, era traficante, mas a droga em questão não era minha, nem sabia da existência dela. Fiquei seis meses detida, e voltei para o crime de novo”, lembra.
15 anos na criminalidade
Filha de um advogado e de enfermeira, Karine repetiu um ano na escola particular e o pai a mandou para a escola estadual, onde permaneceu até o primeiro ano do ensino médio. Dois anos depois, saiu de casa e parou os estudos, e aos 17 engravidou. “Minha filha nasceu com fissura labiopalatina e tomamos um baita de um susto, porque não apareceu no ultrassom morfológico. Todo o cuidado que tive com ela me afastou da criminalidade por quase quatro anos.” Após ter perdido um parceiro nesse ano, Karine começou a refletir sobre o legado que gostaria de passar para os seus filhos. “Precisava começar minha nova história de algum lugar. Em 2009 voltei a estudar, cursei o ensino médio, consegui um bico no bairro, prestei vestibular através do Enem e passei “, conta.
Na mesma época, a fundadora do Responsa conseguiu um emprego em uma papelaria do bairro. Era para ser de um mês, mas acabou durando um ano e três meses. “O mais interessante foi que isso me ajudou muito no meu resgate de valores. Ganhava R$ 25 por dia, mas era um dinheiro que me trazia paz”. Karine lembra que apesar de não ter sofrido com olhares preconceituosos da sociedade, por ser branca e de classe média baixa, ela, que passou 15 anos no mundo da criminalidade, sabe muito bem o quanto os ex-presos sofrem para serem inseridos na sociedade. “Inserir, ou melhor, incluir uma pessoa egressa do sistema prisional no mercado de trabalho é muito importante para mudanças. Uma vez gerando renda, essa pessoa poderá suprir as suas necessidades básicas sem precisar recorrer ao crime como uma alternativa”, diz.
Outra Chance
Desde 2018, o instituto Responsa acolheu mais de 2.100 pessoas e capacitou cerca de 1.800. Com parceria de empresas, os funcionários do Responsa selecionam as vagas e encaminham os perfis mais indicados. Depois de passarem pelo processo seletivo, o projeto de Karine faz um acompanhamento, que pode durar de seis meses a um ano. “Hoje, a gente já colocou no mercado mais de 150 pessoas, e em vagas de freelancer mais de 250. Isso contabilizando de abril de 2018 para cá, não estou nem contando o período em que a gente era só projeto. Eu digo que existem duas coisas que são minha vida, meu sentido diário: meus filhos e o Responsa. Cada vez que vejo uma conquista de alguém que atendo, vibro como se fosse comigo.”
Após ficar presa por 6 meses, Karine lembra que ficou na cela da disciplina, onde tinha chuveiro quente e TV. Ela conta que lia bastante e pagava para outras presas limparem a cela, lavarem suas roupas e entre outras coisas, o que a fez refletir sobre classe social. A criadora do Responsa ressalta que um egresso tem muitas dificuldades como baixa autoestima, preconceito familiar e da sociedade, problemas com a documentação e reinserção. Ela sempre aconselha as pessoas a se darem uma nova chance. “Histórias transformam histórias e oportunidade gera oportunidade. É preciso se superar, ter resiliência para conseguir vencer”.