A música é a língua de todos: paixão pela arte une refugiados, imigrantes e brasileiros em São Paulo
Orquestra Mundana Refugi aborda temas da Palestina, Irã, Guiné, Congo e Brasil
Uma apresentação acolhedora, inclusiva, com sotaques, onde todos falam a língua da música. Essa é a impressão que fica ao assistir à Orquestra Mundana Refugi, formada por músicos brasileiros, imigrantes e refugiados de diversas partes do mundo. A orquestra apresenta, sob a direção musical de Carlinhos Antunes, temas tradicionais da Palestina, Irã, Guiné, Congo e Brasil. Em entrevista, Carlinhos conta que a ideia da criação da orquestra começou há 16 anos durante as oficinas para imigrantes e refugiados que ele e a assistente social Cleo Regina Miranda ministraram no Sesc Consolação, zona sul de São Paulo. “É um projeto que eu pretendo veicular no Brasil e no mundo com um exemplo de vida, de diversidade e de possibilidades musicais e políticas”, conta. O projeto Refugi surgiu com o objetivo de, principalmente através da música, acolher pessoas que por escolha ou necessidade hoje têm a cidade de São Paulo como sua casa. “Só é possível a música se tornar uma linguagem universal se existir respeito e troca. A gente consegue transitar por todas as línguas dos músicos. Cantamos e tocamos em várias línguas de maneira harmônica. Conseguimos fazer com que as culturas e religiões dialoguem, comenta o músico”.
Com um repertório de músicas árabes, colombianas, venezuelanas, mexicanas e brasileiras, a Orquestra Mundana Refugi encanta. Além das vozes de diferentes lugares, o grupo incorpora sonoridades de diferentes culturas. Os arranjos foram feitos para instrumentos como acordeon, piano, violino, cítara chinesa, bouzouki (da Palestina), kanun (uma harpa de mesa da região do Irã), kemancheh (espécie de violino típico do Oriente Médio) e djembê (tambor originário da África Ocidental). “Escolhi os músicos a dedo, não só pela questão musical, mas também pela questão de causas que eu considero importante, como a questão do Congo, da Palestina, da mulher no mundo, por exemplo”, explica o maestro.
“É difícil ser refugiado africano no Brasil”
A maioria desses refugiados estão no Brasil motivados por perseguição e questão de guerra nos seus países. É o caso do músico Leonardo Matumona, de 26 anos, que chegou no Brasil com 17 anos. Aos 8, saiu do Congo e morou na Angola até os 17, quando veio para o Brasil morar com a sua irmã mais velha em São Paulo. “Meu pai era ativista político, então a nossa família sempre foi perseguida pelo governo ditador. A gente se mudou para a Angola e a perseguição continuou, o que fez meu meus pais me mandarem para o Brasil. Tenho muita vontade de voltar para o meu país, mas tenho o Brasil como minha segunda pátria, pois tudo o que conquistei está aqui”. Desde muito cedo, Leonardo sempre cantou. Durante uma apresentação, foi convidado por Carlinhos a fazer parte da orquestra Mundana Refugi em 2014. “Eu nem lembro quando comecei a cantar. Parece que nasceu comigo. Eu sempre cantei. Comecei cantando na igreja muito novo e nunca parei. Cantar é a minha paixão”, diz o músico.
“Foi uma questão musical e política na escolha dos músicos”
Com a experiência de viajar por 43 países em busca de histórias que revelassem a cultura de cada povo, Carlinhos lidera um grupo com 19 integrantes de idiomas e dramas diferentes. Antunes conta que quando foi recrutar os músicos para fazerem parte da orquestra, prezava mais pela questão política e cultural do país de origem da pessoa, do que pela experiência na música. “Não queria músicos com carreira, eu queria pessoas com expertises e origens diferentes. Queria pessoas que tivessem dispostas a mostrar a própria cultura e aprender a do outro. Essas pessoas saem do seu país de origem por um impedimento de vida por questão econômica. É um sistema que os oprime”.
O diretor da orquestra conta que sua relação com a música começou muito cedo, aos 7 anos, e deste então, ele nunca mais se viu sem sua paixão. “A música para mim é muito importante, comecei a me relacionar com ela na escola e por isso defendo a arte nas escolas, pois serve para abrir a mente das pessoas. Foi o que aconteceu comigo”, relata.
Segundo Leonardo, as oportunidades para refugiados brancos no Brasil são maiores do que para negros. Formado em automação industrial, o músico trabalha como programador além de cantor. Leonardo formou um quarteto composto por músicos congoleses em 2014, onde através da música consegue mostrar a cultura da África. “Tudo que é ruim é atribuído à África e ao negro e não é essa a realidade. Nas minhas músicas eu abordo as questões reais que o Brasil não conhece da África, como a parte da realeza, cultura, arte, costumes. Existe também o refúgio fome, guerra, perseguição, etc. e eu me inspiro nisso para compor”.