“O desaparecimento de um filho dói mais do que a morte”, diz mãe que procura filha há 27 anos
Ivanise Esperidião fundou o projeto “Mães da Sé”, que ajuda a localizar e prevenir o desaparecimento de pessoas
No dia 26/01/1996, o adolescente Frankelson Adriano Monteiro, de 13 anos, desapareceu após jogar bola na quadra de Heliópolis, zona sul de São Paulo. Na época, antes da partida, ele foi à feira com a mãe e ficou chateado porque queria uma camiseta do Corinthians, e a mãe, Maria do Socorro, disse que compraria com o dinheiro do próximo pagamento. “Quando a gente chegou em casa da feira, eu fui trabalhar, ele foi jogar bola em um campinho que fica 5 minutos de casa e nunca mais voltou. Eu fiquei desesperada e fui muito maltratada na delegacia do meu bairro quando fui prestar queixa”, relembra Maria.
Naquele dia, quando a mãe do adolescente retornou do trabalho, não encontrou o garoto. Os filhos mais novos disseram que o irmão havia saído para jogar bola no campinho. Os amigos de Frankelson confirmaram que ele havia jogado bola a tarde toda, antes de voltar para casa. Porém, o adolescente desapareceu. “Quando um filho morre, você sabe onde ele está. Você sofre, mas uma hora Deus conforta o seu coração. Quando desaparece, a incerteza te machuca”, diz, com lágrimas nos olhos, Maria.
Sem rastro: a dor na busca por pessoas desaparecidas
Quando Frankelson desapareceu, estava com uma camiseta vermelha, bermuda verde e chinelo de dedo. Maria lembra dos trotes que recebeu naquela época. “Uma semana depois do desaparecimento, colocaram na porta da casa do meu cunhado uma camiseta vermelha, uma bermuda verde e um chinelo, mas esqueceram de tirar a etiqueta. Aquilo era pra me confundir, mas o que me mantém de pé é a esperança de encontrar ele ou saber o que aconteceu”.
Há 27 anos, a família de Frankelson não perde as esperanças de encontrá-lo. Um ano e meio após o desaparecimento do então adolescente, o casamento de Maria do Socorro acabou e ela parou de trabalhar. “Eu comecei a fazer bico só para não faltar nada para os outros dois filhos, mas não sei de onde tirava força. O pai dele foi embora e me deixou sozinha com as outras crianças”.
“Quando um filho desaparece, você vive a dor da incerteza”
Mais de 200 mil pessoas desapareceram no Brasil entre 2019 e 2021, segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mais de 112 mil pessoas foram encontradas neste período. São 183 desaparecidos por dia no país. Homens são maioria, respondendo por 62,8% do total das ocorrências contra 37,2% das mulheres. O Mapa dos Desaparecidos também mostra uma expressiva quantidade de adolescentes de 12 a 17 anos entre as pessoas desaparecidas, que representam 29,3% do total dos casos. O Distrito Federal tem a maior taxa de desaparecidos. O desaparecimento não configura crime, então é considerado um fato atípico pelas polícias. Como não constitui crime, não dá início a um inquérito para a investigação. O tráfico humano é uma das principais causas de desaparecimento de pessoas no país.
“Meu coração de mãe diz que minha filha está viva”
Ivanise Esperidião, de 61 anos, fundadora do “Mães da Sé”, projeto que ajuda a localizar e prevenir o desaparecimento de pessoas, conta que o projeto começou com o intuito de maximizar as buscas pelos desaparecidos e oferecer auxílio aos familiares dessas pessoas. “A ideia do projeto nasceu a partir do sumiço da minha filha em 23 de dezembro de 1995, quando retornava da casa de uma colega que estava fazendo aniversário. Ela foi com uma outra amiga e na volta, cada uma seguiu caminhos diferentes e foi nesse trajeto que ela desapareceu”. Segundo Ivanise, a cada dez mães que têm filhos desaparecidos, 9 perderam a saúde física e mental. Além de perder o emprego e casamento. “É uma luta solitária e só outra mãe conhece essa dor. Eu mesma cheguei à beira da loucura”.
“Lá no fundo, a mãe sabe o que aconteceu, mas não quer acreditar”
Maria José Barreto, de 65 anos, é mãe do Felipe Barreto, que desapareceu no dia 3 de abril de 2014, aos 22 anos. O jovem sumiu a caminho da rodoviária do Tietê, zona norte de São Paulo. Segundo sua mãe, Felipe estava morando com um amigo em Santos, litoral paulista, voltou para a capital, e tinha decidido ir morar com a namorada e o filho de 5 anos em Pirassununga, interior de São Paulo, mas nunca chegou ao destino. Sua mãe, Maria José, relembra o dia que o filho desapareceu. “A namorada dele me ligou dizendo que ele tinha desaparecido e meu mundo acabou. Eu entrei em desespero, fui para a delegacia e me falaram para voltar após 48h”.
A mãe relata que suspeita que esse amigo que morava com Felipe, e tem uma extensa ficha criminal, tenha feito algo com o jovem, mas no fundo, ela prefere acreditar que o filho está vivo e bem. Esse amigo foi chamado para prestar depoimento, mas a polícia não o encontrou. “Daria tudo para saber o que aconteceu com ele. A polícia não investigou, não viu as câmeras de segurança das rodoviárias, nem nada. Estou procurando ele no escuro”, conta Maria José. Após 9 anos, ela não perde a esperança de reencontrar o filho e conta que o projeto Mães da Sé é o que a ajuda a não desistir da vida. “Conheci as Mães da Sé com uma indicação do Ministério Público. Às vezes quando eu penso que meu filho pode estar morto, eu prefiro alimentar o pensamento que ele está vivo. É o que me faz levantar da cama.”
Militante dessa causa há quase 3 décadas, Ivanise faz um alerta sobre tráfico de pessoas e de órgãos. “A gente acaba lutando sozinha, pois desaparecer não é crime, então não tem investigação. O tráfico de órgãos não é um mito. As pessoas precisam aceitar que é real. A causa é solitária, muitas mães que eu conheci, morreram de infarto e algumas se suicidaram. É incomum ver pais por aqui. Sempre é a mãe que procura pelo filho que desapareceu. A esperança que minha filha está viva é o que me mantém de pé”, afirma.
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